segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Cassino Utopia


As cartas estão marcadas
Algumas com sangue,
Outras com saliva
Mas, todas pertencem
Ao acaso de uma ruína
Futura

Agora só silêncio...
Nenhum eco na névoa
Ressecada da cidade.
Que repousa
Em gentil
colapso mecânico.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Algodão doce


Outrora um homem bateu em minha porta, cheio de esperanças e amor,
e com palavras doces levou toda minha capacidade de amar consigo.
Disse-me que seria um empréstimo apenas, eu acreditei, pois
depositava muita fé na humanidade. Hoje, três anos depois,
continuo esperando o cachorro latir, na esperança de que seja ele,
cheio de novidades, presentes e especialmente com minha capacidade
de amar novamente. Mas desta vez era só o vendedor de algodão doce.

sábado, 15 de agosto de 2009

velocímetro

no cimento sólido da noite,
firmei os pés na penumbra
(do acelerador).

mas, então, veio o futuro,
carregando no ventre as
novidades.

parei, pensei, e ainda não
sei, se quero tamanha
velocidade.

de 0 a 100 em 3 segundos,
nevoeiro, uma lebre estraçalhada.
Agora, só sangue no retrovisor.
(e mais um corpo na estrada)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Seqüencial

Eu permito que a paisagem passe por mim,
Contanto que me deixe permanecer
Estático.

Exatamente onde sempre estarei:
Diante das intermináveis seqüências.

Eu, por mim mesmo...

Gostaria de poder
Desnascer

Retornar à estática
Matemática
De um zero

Que nunca correu
O risco de existir.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Negócio fechado

Estou devendo até as calças;

Calma, ainda tens a alma


Não adianta, pois esta
já vendi mês passado

E barato, mas fazer o quê?
Era semi nova e já estava
até meio torta.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Dai-me tua mão

1

Dai-me tua mão
Vamos até onde quisermos

Não olhe atrás
Pois não há nada
Além da luz que ofusca

Sua beleza finita que
Envelhece a cada
segundo.

Quero desfrutar sem
Corromper

Tirei meu olho esquerdo
Só para emprestar-te

2

O gosto amargo do teu vômito
Me deliciou
Teu útero palpita
E minha boca enoja

Tudo em volta, gira!
Tudo em volta, gira!

Epílogo:

Não sei, acho que volta...
Era a mãe de um anjo
Um anjo homem
Não macho reprodutor
Um anjo homem, apenas.
Que ao conhecer o vínculo quente
Foge para a sombra do progresso
E na cidade dos homens sem asas

É morto a pauladas
(Por ser puro)

Poema para Marco Krug

Em fim liberdade...
O sangue no chão
O meu sangue!
Não vivemos num jardim de felicidade
Viver é estar preso a um corpo
E a muitas condições insuportáveis
Para mim
Gostaria de não ser tão covarde
Queria como Iessiênin
Escrever meu último poema
Com meu próprio sangue
Mas a tinta dos covardes
Não tinge o papel.

Paraíso

O paraíso é privado
Pois se fosse público
Já estaria pichado

Sexo dos anjos

Ela cancelou minhas células
Comeu minhas veias
Invertebrou-se atrás
Gemeu, gritou, cuspiu...

Disse que a vida não valia à pena
Andamos juntos naquela noite
Ela bêbada, mas estranhamente
lúcida
Com a vida na ponta da língua

Mas as palavras não vão além
Apenas nos detém
Nos detalhes sem importância
Nas ramificações periféricas

Porém...

Foi nas entradas secretas
De teu rosto secreção
No cartaz opaco de teu riso
Que senti tuas mãos de veludo
Apertarem meu spray genital.


6/08/93

Plexus

Me plexo é feito
De plástico
Prisma plácido
Talismã
Que é feito outro
Efeito do tempo

Meu sexo é feito
De plástico
Gangrena vivax
Meu corpo elasticocêntrico
Alcança o nexo
Mas solta-o no espaço
Confidensideral

Em outra
Nou’trem
Meu grito
Minha recusa
De me perder
Totalmente

Já não alcanço!
Meus olhos só vêem
A corrente

Agora já é tarde!
Caminho perdido
Percorro espaços
Já preenchidos pela morte

Prazer intenso

Quando tudo é reto, sou curvo eu
A essência em mim é ausência
Do presente modo de inventar
Vivo porque invento
Digo palavras obscenas no ouvido do vento
Salvando-me de mim em teu corpo
De modo lento
Sem jeito, turbulento
Na fácil impossibilidade do prazer intenso.

Pigmento

A folha seca
Na relva oca

Toca o lado vermelho
Do som do espelho

Vida! Vida!

Inda que não haja
Sombra de dúvida
Tortura-me
A folha úmida

Filme mudo

Tão leve
Me leve
Mas não me traga
A curva da volta
Tirar a roupa
Vestir a ânsia da ruptura
Nos dias (todos) de execução

Corto-me em perdão
Vibro
Mas ninguém me vê por aí
Assistindo este filme mudo

Remanescestes do enforcamento
Em cada poste de luz
A pintura descascada pelo tempo
Retrato de um homem sóbrio
Em pé,
Mas quase decomposto.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sade

Seria o prazer
O avesso da dor

Ou gêmeas serão
Suas almas

Talvez o calor
De teu corpo

Transmita a doçura
Do açoite

Através de ondas
Vacilantes e viciadas

Por marés de sofrimento
Excitantes e sufocadas

Lasciva língua molhada
Construindo aberturas

Em teu corpo
Com as giletes
De meu toque

Voyeur

Quando um cheiro provoca
Algo
Então é um cheiro
Mas quando menos percebo
Ele me faz enlouquecer
De uma forma boa
E vai me levando
Para bem longe
Abrindo passagem para um
Grande sentimento sem nome
Como os olhos de um pássaro ferido
A distância me faz pensar
Através de léguas, quilômetros
Só uma imagem incerta
Ao longe na mata virgem
Você!
Me olhando, morto.

Revoada

Quando o desespero quiser tomar conta de sua mente
Acredite, eu seguirei a estrada até os limites da cidade
E lá cravarei uma placa com meus mais loucos devaneios
E dentre eles, estará tua boca, iluminada pela luxúria
De uma revoada de pássaros cegos....

Ostracismo

Um corpo grande
Que se encolha
E me aqueça
Para que eu adormeça
E na morte me esqueça

Hora do Brasil

Cachorros quentes
Voadores
Tráfego em transe

Fumaça ácida, já não
Sinto os olhos
As rodas dos carros
Canos de descarga
E outras atrocidades
Cidades

Sozinho e com frio
Reencontro vagas lembranças
De um passado (em controle remoto)

Então, as janelas das jaulas
Se abrem
Os humanos correm de suas repartições
Como cães
Famintos e aflitos
Gastos!
Seções caóticas
Intimas declarações
Chutes no saco
Porradas na boca

19 horas......................................................

Bolero sem oxigênio

Já parti todas as alavancas
Cortei todas as antenas
Embora fossem centenas

Na minha cabeça se destroçam
Metais terrosos
Enquanto vultos mastigam
Soldados jovens, na sombra de Brasília

Homens correm
Mas nenhum semáforo
Comenta nada

Mais um herói anônimo
Morreu humilhado
Cidadão, sujeito, predicado
O sangue ainda jorra
Mas o corpo é gelado
Nenhuma salva de tiros
Apenas mais um número velado

E na parede, um velho retrato
Flutua apaixonado
O ânus de cristo
Abençoado

Pequena alegoria patética

Solidão eterna, quisera ser quimera, mas outrora
Inda não se finda, a faca que busca a ferida certa
Também celebro a gota bêbada, que faz do ogro
Bailarino e da mariposa uma janela aberta.

Eu sou o automóvel

A caminho
A caminho

Caminho só
Sem caminho algum
Na auto-estrada da solidão
Desastre na curva
Do coração

Sangue a caminho
Morte a caminho

Parado no meio do caminho
Na pista dupla de decepção

Meu corpo ilustre
No ferro velho da eternidade

Balada do coveiro

Então que me tapem
Com terra fria
Pois com os vermes
Talvez descubra
Outras filosofias

Fábula

Homens e seus carros
Fabulosas máquinas
Homens e suas mulheres
Fabulosas máquinas
Homens e seus sexos
Fabulosas máquinas
Homens e suas ogivas
Fabulosas máquinas
Homens e seus programas
Fabulosas máquinas
Homens e seus louvores
Fabulosas máquinas

Quem me ama
Não me governa (nem em fantasias)

Rio hoje
Choro amanhã
Gozo agora

Saio as fabulosas ruas
Vejo as fabulosas pessoas
Fazendo fabulosamente as mesmas coisas

Nunca vi algo tão fabuloso
Que me fizesse acordar
Da fábula ao menos
Um segundo (sequer)

Entrada triunfal

Num canto qualquer
Centenas de anjos
Centenas de anjos
Centenas de anjos
Centenas de anjos
Centenas de anjos
Centenas de anjos
De banho tomado
De talco passado
Anunciam minha gloriosa
Chegada no inferno

domingo, 26 de julho de 2009

Moça de família

A janela do quarto, quase uma televisão
A sacada da sala, um verdadeiro cinema

A vida passando lá em baixo
Colorida e excitante

Mas então um gemido rouco atravessa
O aposento, é a mãe, velha e doente
Perguntando – o que está fazendo?
E cheia de tédio e frustração responde
- Nada mãezinha.

Nosferatu

Quando os ponteiros
Marcarem hora nenhuma
Vamos nos encontrar
Naquele meu sonho recorrente

Onde você virá de branco
E eu com sangue nos dentes.

Xenoglossia

Aquilo que ouço é muito diferente
Das "certezas" que preciso

Então, de costas para o penhasco
Esqueço as placas
Esqueço os avisos
E permaneço, vivo!

Canção inacabável

E aí vou eu
Galopando no carrossel
Que não gira
Esperando a aurora
Com hora marcada
Conversando com o vento

Ruminando meus abismos...

Mas, mesmo assim, o sol
Refaz seu strip-tease orgânico
Revelando assim o seio da lua

Genitor

Quero me asfixiar em tuas axilas
Morder teus supercílios
Fazer-te parir cem filhos
Rasgar teu ventre em pedaços
E depois tranqüilo
Morrer em teus braços

Mas, se mesmo assim
Você preferir apenas ir ao cinema
Não me convide
Pois vou estar retrocedendo o poema.

A Utopia dos vagabundos

Se todos os vagabundos do mundo
Se reunissem para orar

Se todos os vagabundos do mundo
Abrissem seus olhos e sorrissem

Com suas bocas desdentadas
Se todos eles nos contassem suas histórias
Ordinárias

O mundo seria toneladas de angústia
Mais tolerável

Todos os vagabundos do mundo
Parecem caber na minha mochila

Todos os vagabundos...



25-03/03

Parábola herege

Que meu poema
Não sirva de emblema
Para ninguém.
Pois, em meu crânio
Está esculpida
A insegurança do criador.

sábado, 25 de julho de 2009

Rastejante

Teu rosto imóvel
Era um revolver

Meu peito trêmulo
Foi um tambor

Teu sexo frágil
Será navalha

Tua boca úmida
Uma serpente pálida.

Rápido retrato de uma noite veloz

Flores e máquinas do apocalipse adolescente
Chicletes invertebrados iluminam teus olhos
Que como poças de sangue prateado rugem
Na noite veloz de teu sonho eletrificado
Guitarras sonâmbulas percorrem as ruas
Rugindo as mais tristes melodias esquecidas
O gosto azul de minha pasta de dentes refaz
O último desejo de um condenado

O jovem no retrato da parede de seu quarto
Um sorriso cortado pela metade uma canção
Que se desfaz antes alguém a componha
Uma cobra que brinca com seu veneno
Transformada numa ninfa de joelhos

E se perguntarem por mim...
Estou por aí
Ao sabor do vento
Na trilha das formigas
Na poeira das estradas
No olhar dos vagabundos
Na gengiva dos bêbados
Na naftalina dos livros
No sexo dos condenados
No bilhete dos suicidas
Na carne dos aleijados

Com aqueles que nunca
Serão os sorteados...

Poema da digestão in

Brotoeja chá de carqueja
Broto um tanto roto
Arroto lotado de gás
Que faz e faz
Relampejar o estômago
Toma! Toma!
Chá de carqueja com cereja
Broto roto no gozo
A alma gagueja
E teus lábios grandes
Vermelhos e úmidos
Tem gosto de cereja
E chá de carqueja

Brota rota que carqueja
Gagueja em minha mão

Faxina

Lavei meus versos
Com água sanitária

Mas continuaram
Emporcalhados

Com minha aura ordinária

Orelha

Como? eu não sei
Pois falei baixinho
Mas a orelha do livro escutou

Toupeira

Assim como uma toupeira
Cavo meus buracos

Encontro minhas caveiras
Guardo meus retratos

Ártico

Nenhum movimento
Nas flores geladas
Nenhum ruído na
Imensidão branca
A primavera espera
Inquieta o repouso
De seu esposo
O inverno.

Apontamento de um ferro velho

Um cachorro velho e cansado dorme molhado dentro de um
Velho Chevrolet abandonado. Nos fundos de um cemitério de
Automóveis...

O crucifixo ainda no retrovisor, pois, a ferrugem não teve coragem
De comer os últimos vestígios de Jesus que sozinho balança no
pára-brisas...

Antes de pensar em

Existem momentos em que não basta
Apenas calar a boca

É preciso matar o verbo.

Se

Se meus versos são desinteressantes
Ao menos lhes dê uma chance
Sepulte-os em sua estante.

Minha ira

Minha ira é ver o dia nascer
e não poder salvar o orvalho
é sempre assim,caralho!

Vigilia

Na cabeceira da cama
Encontrei minha cabeça
Grudada em outro corpo.
Então pergunto à ela, - o que
Fazes neste corpo que não
te pertence?
Ela sorri e não me diz nada

Mais uma noite que durmo
Com a televisão ligada.

Noitinha

Dois loucos no pátio do hospício
O primeiro vira para o segundo e diz:
- Olha aquele queijo lá em cima.
O outro responde, que queijo que nada
Aquele já comi ontem
Ah! Então deve ser a lua.

O Pacto

Julgo estar decidido
Fiz um pacto com
As coisas;
Elas me dão seu
Conteúdo
E eu permaneço mudo.

Volúpia opaca

Era uma vez uma
Vênus medrosa...
Desencantada fez
As malas e partiu.
Então, toda noite
Procuro seu rastro
Nas sobrancelhas
De algum cometa.

Colecionadores

Amar é colecionar impurezas
É contrair certezas virulentas
É mastigar cacos de vidro
Imaginando amoras.

Era uma vez um homem

Quando acordei, abri os olhos como faço habitualmente todos os dias, porém mesmo com os olhos abertos tudo continuava escuro, então procurei o abajur e para meu espanto esbarrei em uma pessoa. “Quem é você?” perguntei, e depois de alguns segundos de silêncio ela me disse seu nome. “E o que faz em minha casa?” “Quem disse que você está em sua casa?”, gelei e minha voz sumiu. Percebendo, ela tentou me acalmar dizendo que o mesmo também lhe ocorrera: um dia acordara e estava neste lugar em que nos encontrávamos agora. “Mas que lugar é este?” perguntei. “Faz um mês que estou aqui, no escuro total, já aprendi a me guiar e localizar os lugares onde nos deixam diariamente comida e água e também já observei que isto é feito sempre no mesmo horário, tento entender o porquê, aliás, gostaria de compreender o que exatamente estou fazendo aqui neste lugar escuro. Às vezes ouço outras vozes, tento segui-las, mas em vão, elas rapidamente se dissipam e tudo volta ao mais profundo silêncio e torpor, apenas o som de minha respiração, pois estando privado da visão passei a voltar minha atenção aos menores ruídos e especialmente aos sons do meu próprio corpo e confesso que nunca imaginei serem como são e, de certa forma, mesmo estando à beira da insanidade me sinto quase livre, já não sinto medo nem culpa, as perguntas sumiram como por encanto. Sinto-me vazio, desobstruído e confortável como uma criança no útero mãe. Não sei mais há quanto tempo estou aqui, mas isso já não tem a menor importância, pois sinto uma paz que nunca senti, agora posso sentir todo meu corpo pulsar e ouvir os deliciosos ruídos de meu corpo se transformando em pó.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Vampiro etílico

Cuidado!
Meu sangue é vermelho
Mas não é vermute
Beba com moderação
Nada de gute, gute...

Cadafalso

O orvalho uiva no diâmetro das solidões
Enquanto a régua regula o ângulo de minha dor
Para que a forma de teus açoites atinjam
A finitude de meu corpo morno
Na infinita volúpia de um abraço.

O pacto

Julgo estar decidido:
Fiz um pacto com
As coisas.
Elas me dão seu
Conteúdo
E eu permaneço mudo.

sábado, 18 de julho de 2009

Oração circular

Fartei-me deste aço
Que me comprime o peito
Quero teus beijos, mesmo
Que me façam em pedaços.

Apoteose dos sentidos

Sinto meu coração bater
Como num pesadelo estereofônico

Onde pedaços de meu suor poderiam
Destruir cidades inteiras

Mas prefiro voar desesperado
com meu par de asas acrílicas

Então, fragmentos desconexos
de meus sonhos cairão como
farelos no carpete de teus cabelos

Ainda tento reaver os sentidos
Mas agora já é tarde,
Pois as setas já estão cravadas
Em meu peito trêmulo

As insígnias do desassossego
Decoram meu velho uniforme
De guardião dos abismos

Musas petrificadas caminham
Sonâmbulas na apoteose dos
Sentidos

Ruídos que percorreram séculos
Eclodem em minha mente
Como um novo éden em ruínas.

Contentamento

Eu roia meu contentamento
Como a um suculento osso
Como o fêmur de uma fêmea
Que mesmo trágica, emanava
O sabor das coisas incontidas.

Divina presença

Deus apresentou-se a mim
Como um dragão Chinês
Seus anjos mais pareciam
Prostitutas mexicanas
Todas bêbadas e ornadas
De púrpura celestial

Deus apresentou-se a mim
Como um traficante de armas
Sempre cercado por serafins
Aleijados e anões mascarados

Deus apresentou-se a mim
Como um velho mascate
Libanês
Rodeado de quinquilharias
Penduradas em sua carroça
Invisível

Deus apresentou-se a mim
Como um tubarão branco
Que ansioso esperava
Algum cardume de almas
Desgarradas

Deus apresentou-se a mim
Como uma criança negra
Que vendia seu corpo
Por alguns trocados

Deus apresentou-se a mim
Como um búfalo cinza
Que fugindo do inverno
Buscava outras pastagens

Deus apresentou-se a mim
Como um vagabundo
Que rodeado de cães
Procurava abrigo numa
Noite úmida e fria

Deus apresentou-se a mim...

Velho testamento

Eu reinventei o fogo só pra ver teus olhos brilharem
Eu busquei minha última gota de sangue
No fundo de um abismo negro

Eu torci minha alma como um lençol molhado
Depois me estendi como um lagarto na savana
Do teu beijo

Capturei os ruídos distantes de uma noite de verão
E entreguei-te como um presente
Embrulhado em minhas tripas ainda quentes

Eu colhi o algodão junto com os negros
Eu me banhei nu no missisipi ardente
Eu te trouxe o único pedaço de selva
Ainda intocado pelo homem branco

Eu senti as chagas de cristo brotarem
Em meus punhos cansados
Eu estava na sentença de morte

Sentado na cadeira com a pequena
Princesa moura...
Eu me reconheci no reflexo turvo
De um jovem soldado turco
No cerco à constantinopla

Eu entreguei meus pertences
A um estranho
Eu percorri mortificado as ruas
De Hamburgo
Eu ouvi as bombas que caiam
Como pétalas negras

Eu me escondi na sombra de um
Carvalho gigantesco.

Ora pro nobis

Se acaso, acima dos céus existir algo além de gases letais e escuridão cósmica, faz uma forcinha aí, e orai por nós.

O retorno

Mesmo que ainda hesitante, resolvi atravessar o portão de entrada, o silêncio me sufocava como se me apertassem violentamente a garganta. Mas resisti e entrei na propriedade que outrora pertencera a minha família. Percebo então que tudo estava mudado, ou ao menos me parecia, as árvores eram agora mais altivas e seus grossos galhos sugeriam-me braços disformes e repletos de sulcos tomados de um desamor secular. Somado a tudo isto, o cheiro de mofo que emanava das paredes encardidas fazia-me viajar no tempo. Para minha infância que ressurgia como um alienado que busca em desespero por algum resto de ar nas profundezas de um lago, que chamam passado, que chamarei solidão. Então vejo o futuro nas cinzas do cigarro de uma cigana, que sentada no canto da escada, mostra-me uma carta, aponta-me o dedo e sorri, para meu desespero, ela sorri, ela gargalha e eu flutuo num último suspiro. Então, agora um velho desce as escadas e percebo que em seus braços trêmulos, carrega uma criança.

Trova trôpega ou a balada do esquecimento

Eu sonhei que havia esquecido tudo, tudo mesmo.
Nada sobrara para contar a história, nem mesmo a cisma,
Aquela mais encravada na memória, nem ela.
[mas que cadela]
Triste, né! Que nada, estou é aliviado, e atropelando as palavras
Sigo, enfadonhamente feliz, [como um refrão pop]
Grudando nas paredes, escorrendo pelos narizes.

08/07/09

Consciência

Minha cabeça é uma oficina caótica, onde pensamentos rangem como parafusos sem encaixe preciso. Aqui, tudo que importa é a gritante vontade de sobreviver a mais um dia de trabalhos forçados, pressão, imposta pelo torno mecânico da consciência.

Trigésimo andar

Mandei ela ver se eu estava na esquina
E quer saber, eu estava, que situação.
Então mandei flores, mas a maldita queria
Seus miseráveis bombons de amarula
Senti vontade de abrir a janela e dizer
- Vai, pula!

Prometeu, filho de Hera?

Montado em seu dragão neon metropolitano
O deus do acaso, entregou-me o fogo sagrado
Na brasa de um cigarro emprestado.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Assim vive um neurótico

As pessoas organizadas precisam ter tudo sob controle, pois isto é parte de sua natureza, sejam os livros na estante, seja a hora do almoço. Mas infelizmente não pertenço a esta classe de seres. Ou melhor, parece que sou o inverso dela, pois, tudo me escapa, os objetos se escondem e, sobretudo, os pensamentos, estes sim me deixam louco, com sua mania insuportável de driblar meu domínio.


Mas, certas coisas preciso manter tuteladas, como por exemplo, o ano em que estou vivendo, preciso saber disto, caso contrário não poderei varrer os abismos diariamente. E eles precisam ser varridos, acredite.


Assim vive um neurótico (lá, lá, lá...)

Se não posso ser o Edgar Allan Poe, posso ao menos ser eu mesmo, mas um pouco melhor que ontem, e isto já é muito, tendo em vista o montante de entulho do além, que recebo diariamente. Mas vou sobreviver, agora mais do que nunca, preciso, tenho, quero. Será? Sim! Pois aquele que veio de mim é o mais importante. E seu sangue quente é meu, e será de outros. Preciso ter fé, se não nos deuses, ao menos nesta força que desconheço. Podem até ser eles brincando comigo, estes deuses são foda.


Destilar veneno e caminhar calmamente, não são exatamente contraditórios. Eu, tu, nós eles...



Assim vive um neurótico (lá, lá, lá...)


Limpar é preciso! A nação, o coração, a bunda do cachorro. Sim, senhores! eu tenho minhas prioridades higiênicas, é verdade. Mas uma coisa é certa, a televisão não usa o tubo de imagem para respirar. Já quanto á mim, não ofereço garantia de nada, não sou fiador de ninguém. Se quiser me amar, problema seu. Eu sigo me esquivando da responsabilidade, mas se tiver que comparecer, vou, mas apenas de corpo presente. Minha mente? Esta já doei as ciências ocultas, ao saberes indizíveis, então, me deixem surtar em paz.


Assim vive um neurótico (lá, lá, lá...)

Comecei a contar os pássaros negros, que diante do crepúsculo, voavam organizadamente, como um samurai que limpa hermeticamente sua espada antes do harakiri. Mas cansei de contá-los, sou volúvel, ou melhor, uma completa besta. E ainda por cima, destruo toda ajuda possível, para mim a auto sabotagem é quase uma arte.



Assim vive um neurótico (lá, lá, lá...)


O amor é uma forma de extremismo? Sei lá, mas acho que sim. Se até Jesus afirma que me ama, então, como posso pensar em algo diferente? Se bem que Jesus nunca me disse isso pessoalmente, foram seus “mensageiros” na terra. Mas como se pode discutir com alguém tão representado, coitado, deve estar assinando toneladas de papéis. Pensando bem, deve ser uma dor de cabeça ser Deus. Ter que estar em toda parte, ter que ouvir tanta gente chata e o tempo todo. Putz! To fora.


Assim vive um neurótico (lá, lá, lá...)



Entre mim e minha morte, existe apenas um ponto final. E por mais que eu me agarre desesperado as janelas, o dia vai nascer, então, o joio vai novamente se misturar ao trigo. E a promessa que fiz... Cristo! O que faço com ela? No momento, o mais prudente seria me calar, esperar o sol reanimar as uvas, e tragar a vida lentamente, apenas.